Das imagens recorrentes da Natividade de Cristo na história, o trajeto da viagem de Maria e José de Nazaré à Belém é uma das menos representadas na cultura ocidental. Um dos possíveis motivos é a natureza obscura dessa viagem: um suposto grande Censo impulsionado por uma profecia, evasão de taxa fiscal sobre a natalidade, fuga por alguma forma de perseguição. Outros dizem até que nunca aconteceu. A tragédia é um traço comum dessas hipóteses. O texto bíblico vai delineando uma situação clara onde, independente do motivo, circunstâncias políticas pertencentes à cultura ou estruturas de poder obrigam essa movimentação repentina e inoportuna como uma espécie de punição — um motivo para essa peregrinação inaugural; celebrada na atualidade no presépio como uma história de superação a uma adversidade fabricada, alegoria clássica do capital. Essa opacidade no sentido científico-histórico é justamente sua riqueza: nas passagens recontadas, mas relativamente pouco representadas, o registro do sofrimento passado pela família em traslado vai se revelando parte de uma tristeza estrutural comum, que perdura a passagem do tempo e é transversal aos modos de produção que se deram desde então. O abuso do poder, a burocracia, etc. Atenho-me aqui à sobrevivência dessa viagem perene, transpondo em paisagens viáveis por meio das tecnologias recentes a multiplicidade dos caminhos possíveis em que podemos imaginar essas personagens, e a possibilidade de recontar ou reviver o trauma apresentado nessa saga. Vazias, as não-vias dos vãos entre as cidades atuais revelam um espelho pelo qual podemos refletir sobre nossa celebração, um caminho que, pelas vias já cimentadas pelo tempo, dura em torno de 2 horas e meia em um veículo comum.
Edouard Fraipont
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